quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MORRENDO DE PÔCO - História de Matuto IV

Eu lembro como se fosse hoje, dona. Tava quase pra fora do celêro quando vi, bem no cantinho, lá do lado do hómi uma égua deitada, bem amuadinha. Foi aí que deu dó, a sinhóra precisava de vê... Tinha um fiotinho lado dela, mas táva morto, todo sujo de sangue, terra e páia. Deve de tê nascido morto já. E a coitada da égua tava sofrendo por demais, dava prá vê nos óio dela a tristeza do peito.

Eu num sei bem o que foi que aconteceu, não, mas acho que o grito que eu escuitei era dela, na horinha que viu seu fiote morto. Acho que os cavalo tudo deve de tê assustado e saíram correndo atrás da mãe que deve de tê arrastado o fiote prá pedir ajuda. E esse hómi aí deve de tê trazido os cavalo e as égua tudim de vorta.

Eu só num sei mêmo quem era o tar do hómi, môça. Nunca vi pelas região. Usava umas rôpa de pano surrado, chapéu de páia e tinha barba. Era um hómi véio já, negro de pele e pé descarço. Despois fiquei sabendo que anda por aí, cuidando dos bicho, das planta e dos rio. Mas que nunca na vida disse uma palavrinha com ninguém.

É difícil, numa situação dessa, moça, a égua sobrevivê. Ela vai morrendo de pôco em pôco. Num dá coragem de nóis matá, não. É dor de mãe, sabe? A sinhóra é mãe, dona? Eu tamém num tenho filho, não, mas mãe é mãe, né? Nóis respeita. Num importa se é de gente ou de bicho. Por isso que nóis num mata o porco na frente da mãe dele. Tem que tirá do chiquêro pra podê matá um, senão a mãe morre junto. E morre de desgosto.

A mãe do porco ataca nóis se pensá que nóis tâmo fazendo o que tâmu mêmo fazendo. Já vi gente que pra se defendê da porca, meteu a faca na barriga da coitada. Judiação! Perdeu o bicho e a carne tamém. Carne de porco num pode tá suja de sangue, prusque estraga e num dá prá comê. Prá fazê a bichinha pará de sofrê, nóis taca a facada no peito. Mas aí já é tarde, dona... Não tem mais porco assado prá comê.

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