quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ÓRFÃO

 
Debaixo do sol de fim de tarde, ele caminhava estacionamento adentro, sem saber ao certo para onde, de fato, estava indo. As lentes escuras do óculos cobriam seus olhos baixos e avermelhados. Naquele dia, tudo parecia insoso.

Suas pernas ainda eram capazes de controlar os próprios movimentos, mas desde o primeiro passo depois da despedida já apresentavam um leve tremelicar, uma após a outra, quando cruzavam-se em curtos passos.

Medo. Ele se sentia só, mas não de todo abandonado, pois seu filho lhe prometera, durante o abraço forte que trocaram entre si, que ligaria dia sim, dia não e que, ao final de cada semana enviaria um resumo do que havia feito, das novidades que havivia vivido.

Entretanto, ele também se sentia um tanto quanto realizado ao ter sido capaz de ofertar tão importante ferramenta para seu caçula. O último dos herdeiros partiria deixando na mente de seu pai a sensação de missão cumprida e, no peito, a angústia fraterna da saudade.

O barulho do levantar do vôo do avião soou como uma lâmina enferrujada cortando, com grande dificuldade, o cordão umbilical entre pai e filho: uma relação baseada em muito mais do que apenas o parentesco genético.

Enquanto remexia as mãos no bolso à procura das chaves do carro, lembrava nitidamente da imagem das malas na esteira, lentamente sumindo, todas etiquetadas, rumo a quilômetros de distância – distância essa que os separariam por seis meses.

Seis meses. Seis longos meses que ele viveria no escuro e na liberdade de ser tudo o que optasse por ser. Tudo, menos pai. Não exerceria seus cuidados, não daria suas broncas, não sentiria o cheiro do filho. Nesse tempo, seus passos seriam rápidos, o trânsito mais acelerado e caótico, seu coração mais aflito.

Seria pai órfão de filho.

Entrou no carro, ligou o rádio na terceira estação e, durante todo o caminho de casa, viveu a mais profunda melancolia.

Um comentário:

  1. Simplesmente fantastico..adorei...vc realmente capturou o sentimento que vivi.

    Bjo Grande.

    Leo

    ResponderExcluir

Eba! Obrigada pela visita!