quarta-feira, 29 de julho de 2009

Carro de boi


Que me perdoem todos os que estão sendo afetados pela aplicação da graaande idéia do nosso exmo Sr Prefeito Gilberto Kassab, mas eu vou me manifestar e talvez até assuste algumas pessoas com o meu posicionamento. Porque, afinal, se é para que sejamos justos, façamos de forma justa.

Recebi um desses e-mails correntes que levava a indignação de um usuário de fretado. Ele levantou diversos pontos que, no dia 27, primeiro dia da restrição da circulação dos ônibus fretados, aconteceram. E isso já começou a me irritar...

Humilhação foi a palavra de ordem. O rapaz utiliza fretado há cinco anos e se sentiu tratado como gado quando sofreu com super-lotações, chuva, trânsito, empurra-empurra, assaltos, pequenos alagamentos e tantas outras coisas que a gente quase não vê em São Paulo, não é mesmo? E todas esses fatos que ele comentou eu reconheci de primeira!, pois não sou e nunca fui usuária de ônibus fretado, não por opção, mas por falta dela.

Mas o que é engraçado é que garanto que não só eu reconheceria todas as situações, mas também todos aqueles que fazem uso de ônibus coletivo, metrô ou trem diariamente, pois esta é a realidade que temos no transporte de uma megalopole como é São Paulo. E se ele, quando precisou dos coletivos, se viu como um gado, o que eu deveria sentir?

Eu, que pego coletivos todos os dias (não apenas uma, mas três linhas de coletivos para chegar até meu trabalho), que passo pela situação que ele descreveu todo santo dia, que não tenho escolha de utilizar fretado ou carro particular, como devo me sentir? Eu que sofro com o trânsito da cidade – e sofro em pé!, não sentada numa poltrona quantinha, assistindo a tv do fretado -, que sofro pela espera demorada por um coletivo em que eu caiba dentro, que “disputo” diariamente por um espaço, como devo me sentir?

Talvez em mim falte apenas o cabresto e a carroça, pois tudo o que o rapaz do e-mail reclamou eu sofro há, pelo menos, cinco anos! Durante o tempo que ele foi “gato”, eu fui “gado”. Tive que aturar assaltos, muita chuva, muito trânsito e tudo o que ele citou no seu e-mail infeliz por, no mínimo, o mesmo tempo que ele usufruiu do conforto do seu fretado. Tive que aturar, inclusive, congestionamentos infernais por conta desses mesmos ônibus fretados, porque faziam suas paradas em qualquer local, travavam uma avenida inteira para chegar ou sair de um ponto. Sem falar na famosa “falta de educação” no trânsito, pois, sim!, esses motoristas acham mesmo que são os donos da rua.

Não sou a favor da medida tomada pela prefeitura, muito menos acho que o prefeito é o cara mais sagaz e inteligente do mundo todo (pois só ele mesmo pensa que o é). Não acho que a medida vai melhorar o trânsito de São Paulo porque o problema só foi transferido. Ontem (28/julho), ao tentar ir embora para casa, no final de um longo dia de trabalho, Marginal Pinheiros parada, com uma fila imeeeeeeensa de fretados que faziam a parada para recolher seus “gatos”na estação Berrini de trem. Voltei para a Av L C Berrini, ué, e fiz o trajeto pelas vias internas, esperando o “carro de boi” passar.

O que eu fiz, amigos? Exatamente o que todos os usuários de fretados faziam: viraram as costas para a realidade de seus pares. É, porque ao entrarem em seus ônibus confortáveis, ao sentarem em suas poltronas confortáveis, debaixo de ar condicionado e dispondo de uma tv que transmite a novela da Globo, simplesmente ignoravam o mundo lá fora e esqueciam de todas as milhares de pessoas que, ao contrário deles, entravam em ônibus lotados, sem nenhuma chance de conseguirem viajar sentados, disputando um espacinho para se aglomerarem, um empurrando o outro, assistindo só, e tão somente, a vida passar sem o mínimo daquele conforto.

Não se trata de vingança, não. Pelo menos, não no meu caso, que não participei de nenhuma manifestação para que tirassem o fretado das ruas. Mas não nego a minha indignação com a postura dos motoristas perante o trânsito, como um todo. E não os motoristas de fretado, não... Todos eles estão precisando de reciclagem!

Mas foi necessário que o brilhantismo do Kassab voltasse à tona e implantasse a medida da restrição para que os gatos se tornassem gados e notassem que a vida real em São Paulo não acontece quando se está do fretado para dentro. E que enquanto uma pequena parcela dos habitantes da cidade e redondezas utilizam seus “ônibus particulares”, a grande maioria é, cotidianamente, tratada como gado.

Assaltos? Ele reclama de assaltos! Felizmente ninguém entra no seu õnibus fretado, meu amigo, para assaltá-lo, porque nos coletivos é um fato corriqueiro. Hoje não há mais rpecedentes, não há mais lugares propícios, horários propícios, nada! Toda hora é hora para ser assaltado. Mas, desculpe... Eu esqueci que, de dentro do fretado, o mundo é diferente...

Ele reclamou também de ficar 40min para pegar a Marginal... E eu que, por exemplo, ficava 40min somente para atravessar a Av Eng L C Berrini? Fiz o teste e, vejam só!, 40min era o tempo que eu fazia esse mesmo percurso andando! Ou seja, se fosse somente pelo tempo da travessia, eu poderia escolher ir de ônibus ou ir a pé. Muito prático, não acham? E outra: se o amigo que escreveu o textinho não está bem informado do mundo real, fila dupla de fretado e passageiros embarcando no meio da rua não é nenhuma novidade. Isso, seja com fretados ou coletivos, meu caro, sempre aconteceu.

Concordo em absoluto com o mocinho do e-mail, que diz que a mídia está se lixando para a realidade do trânsito na capital, bem como muitos empresários e deputados (que, inclusive, resolveram dizer isso na cara do povo!). Concordo também que muitas pessoas têm seu nível de informação montado única e exclusivamente pela televisão e que criticam sem, na real, terem noção do que ocorre. Também concordo que o usuário do fretado não é o verdadeiro culpado.

Mas discordo de um ponto que, garanto!, todos concordaram e pior: nem sequer notaram a prepotência e discriminação que o rapaz cometeu ao dizer que “um executivo que trabalha no Morumbi não agrediria o Secretário dos Transportes se a situação estivesse boa”. Meus caros, ninguém agrediria o secretário se a situação estivesse boa, nem mesmo um simples operário. Porque dizer só do executivo do Morumbi??

O sistema de transporte em São Paulo, bem como a engenharia que foi montada para receber o trânsito da cidade não é e nunca foi “mil maravilhas”. Não adianta cobrar da prefeitura uma posição sensata, pois eles não tem! Não adianta colocar a culpa nos usuáris de fretado, muito menos nos usuários de coletivos.

Acho que não estamos aqui com a função de achar culpados, mas de lutar pelos nossos direitos. Só que a justiça começa a ser feita verdadeiramente quando o benefício de um não é, ao mesmo tempo, o malefício de outro. Devemos lutar para que, ao melhorar uma parte da cidade, a outra não seja prejudicada e para isso precisamos parar de olhar somente para o nosso próprio umbigo e ficar dizendo que um ou outro está certo ou errado. Precisamos parar de querer milagres, meu amigo! O mundo é uma caixinha de surpresas e às vezes estamos fora, às vezes dentro.

Eu só peço uma única coisa, ao amigo do e-mail e a quem quer que seja que venha abrir a boca para falar alguma coisa: que antes olhe ao seu redor, que avalie a situação como um todo e veja se o problema é “pessoal” mesmo ou se trata-se apenas de um reflexo do mundo real no seu mundo particular...

Agradeço a atenção de todos.

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