quinta-feira, 11 de novembro de 2010

PÚBLICA


Ela enrolava suas poucas roupa, como se espaço lhe fosse um problema. Juntava a calça pelas costuras, ajeitava com presteza, e enrolava. Mas desenrolava e o fazia até que se sentisse satisfeita com o resultado. Depois enfiava na sacola plástica, ajeitando para que pudesse guardar o restante, o que, aliás, não era muito.

Sentada na porta de uma loja, local que considerava sua própria casa, ela dobrou os cobertores que lhe serviam de colchão, e guardou no carrinho que pegou da porta de um supermercado popular. Com dificuldade se levantou e serviu um pouco d'água para seu companheiro. Ele não lhe ajudava muito, pois a vida o castigou demasiado forte; até que tentava guiar o carrinho, mas ela logo o enxotava da direção.

Eram 7AM e ela já estava de pé, naquela manhã quente, com finos raios de sol. Suas vestes eram as mesmas de ontem, de anteontem; eram as mesmas desde que perdera a casa na enchente. Até que não era tão infeliz quanto as pessoas, que por ali passavam, pensavam. Ela mesma pensava que mais difícil era quando tinha que dividir o coletivo lotado; Agora a única coisa que dividia com os outros era a calçada. Ainda assim, ocupava pouco espaço, pois eles dormiam bem juntinhos, pra espantar o frio cortante da madrugada.

Orgulhava-se do seu casamento, dos tantos anos que compartilharam a vida. Orgulhava-se, principalmente, de sentir que ele lhe acompanharia até a morte, ainda que a primeira fosse a dela. Sabia que ali estava o homem da sua vida; ele era o homem de toda e qualquer vida que ela poderia ter.


A vez em que o guarda pediu que desocupasse o local, sentiu-se envergonhada. Mas no dia seguinte estava lá, novamente. Não conseguiu enxergar nenhum crime: apenas dormia e antes de sair, deixava a calçada mais limpa do que quando chegara. Que mal poderia ter?

Então naquele dia ela esperou pacientemente a loja abrir às 9AM e pediu, educadamente, para falar com o gerente. Ainda que hostilizada, não perdeu a compostura e aguardou até que ele viesse ao seu encontro. Disse-lhe que jamais apresentou nenhum perigo ou encômodo aos clientes da loja, pois sempre estava muito longe quando o comércio abria. Não era justo, portanto, que a tratassem dessa maneira. "Nunca mijei na sua porta!", disse ela, já um pouco alterada pela tristeza que lhe abatia.

O lojista pediu-lhe desculpas, disse que orientaria o guarda a não mais importuná-la e que se o que ela queria era somente dormir, sua permissão para dormir na calçada estava dada. Ela não pode se conter... "Permissão?", ela gritou; "Permissão? Pública! Ela é pública! Sua calçada e a minha cama são públicas!"





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