quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A MEIA DA MINHA MULHER

 
O despertador mostrava quinze para sete e eu já estava atrasado. Nesse dia, bati meu recorde: consegui me vestir, tomar meu café com pão e escovar os dentes em sete minutos e meio. E esse meio minuto foi o que fez toda a diferença no meu dia. Durante o caminho, aproveitei para pentear o cabelo, amarrar os cadarços e terminar de fazer o nó da gravata nos semáforos vermelho. Combinou, porque a minha gravata também era vermelha.

Fiz todo o trajeto de casa até o escritório do cliente em 22 minutos e o tempo todo fiquei rememorando a apresentação que tinha para fazer na reunião das dez horas. Minha intenção de chegar mais cedo quase que foi por água abaixo; não pelo trânsito na avenida principal, mas pelo meu excesso – momentaneamente indevido – de sono. Era uma oportunidade de ouro pra mim que almejava subir de cargo e queria repassar tudo antes de ir à vera.

Não cheguei com a antecedência que pretendia, mas ao menos não me atrasei. Dei entrada na recepção, tirei a foto do cadastro, passei CPF e RG para a recepcionista e fui encontrar meu destino, ainda que ele fosse a mais bela personificação de um gordo, careca e bigodudo senhor presidente do mais importante de todos os clientes da minha carteira.

Dentro do elevador panorâmico do edifício, ao dar a última revisada em todo o meu plano, me dei conta de que havia cometido um deslize... Talvez por conta do meu atraso, na hora em que estava me vestindo não notei que eu tinha pegado a meia da minha mulher por engano. Ora... o que uma simples meia poderia causar à minha reunião? De fato, nada. A não ser pelo fato dela ser na cor rosa e ter estampado o logotipo da empresa concorrente ao meu cliente.

“Ok, calma, não preciso me preocupar. É só não cruzar a perna, é só não deixar a calça subir. Se eu sentar do outro ldo da mesa e mantiver minhas pernas sempre escondidas, não haverá problema nenhum. Será fácil.”, pensei.

Assim que cheguei no décimo quarto andar, local em que a tal reunião se realizaria, já encontrei parte das pessoas que me acomanhariam nesta empreitada. Inclusive aquele que, junto com aquele meio minuto, mudaria completamente o rumo das coisas: o Joel.

Joel era um cara muito visionário, tinha sempre as melhores e mais transformadoras idéias para os problemas que surgiam – além de também aparecer com planos e mais planos de marketing, de vendas e de fidelização de clientes. Era o ícone da empresa em todoas as áreas. E eu acreditava que ele salvaria minha pele.

Na sala de reuniões já estavam todos os convidados pela parte do cliente e, incrivelmente, já haviam reservado uma cadeira especial para mim. Era no único lugar onde eu não queria, de jeito nenhum, sentar. Era ao lado do tal gordo, careca e bigodudo senhor presidente do mais importante de todos os meus clientes.

Recusar a me sentar ali eu jamais poderia, pois tratava-se do lugar de honra, de confiança e de credibilidade que todos querem alcançar um dia. E é claro que eu semrpe quis estar lá, mas não naquele dia, não dessa vez. Sorri amarelo para o Sr Gordo e grudei na mesa para sentar. Já joguei meus pés para bem debaixo do tampo, puxando as pernas da calça o máximo que podia. Dei um pulo na cadeira ao me dar conta de que a mesa era de vidro e no mesmo instante joguei os pés para debaixo da cadeira, me debruçando de quase deitar naquele maldito tampo transparente.

Eu não estava mais preocupado com meu desempenho na apresentação para a qual tanto me preparei; estava era com medo de que alguma coisa saísse do combinado e que pudesse me colocar em maus lençóis. Eu aguardava somente o anúncio do meu nome para me levantar cautelosamente e ir até o quadro branco onde estavam refletindo os slides. Fiquei o tempo todo com cara de conteúdo, mirabolando um jeito de andar sem que a barra da calça pudesse levantar e mostrar a tal meia da minha mulher.

Ao som do meu nome, grudei os pés no chão e fui quase que arrastando-os, o que culminou num tipo de rebolado meio torto. E decidi naquele mesmo segundo que era melhor rebolar torto do que perder o cliente. E apesar de torto, a apresentação foi um sucesso, felizmente. O cliente sorria, o gordo bigodudo demonstrou estar satisfeito com tudo o que viu. Até o momento, o infeliz momento em que o Joel – sim, o cara que das idéias brilhantes – teve a brilhante idéia de demonstrar o que eu estava falando e pulou direto na direção dos meus pés.

De um sobressalto, eu pulei pro lado, me desviando das terríveis e impertinentes mãos do meu colega, que mais parecia um advogado do diabo. Ele, caído no chão, se arrastou pela sala atrás de mim e a cada tentativa de me agarrar eu desviava bruscamente. Não contente, Joel se levantou e com o mesmo impulso já se jogou em cima de mim, fazendo com que nós dois caíssemos no chão, levanto junto com a gente o telefone da bancada de apoio, computador que estava projetando as imagens e até mesmo a mala do senhor gordo presidente que, para a felicidade geral da nação, estava entreaberta. Tentando levantar e me livrar da chave de braço que Joel aplicou no meu pescoço, chutei tudo o que tinha por perto. Perdi as esperanças quando meu sapato voou e a meia apareceu, escancarada, para quem quiser ver. Ainda assim chutei cadeira pra um lado e mala do cliente para o outro. No chute a tal mala se abriu.

Aí tudo silenciou: todos que estavam ali ficaram estáticos, olhando para baixo da mesa, onde a tal mala do senhor gordo bigodudo presidente do mais importante de todos os meus clientes foi parar, completamente aberta, exibindo roupas, sapatos e, acreditem, vários pares de meias do concorrente. Tá certo que não eram rosa como as da minha mulher, mas tinham o mesmo logotipo estampado.

O presidente, meio sem-graça, mas ainda mantendo a pose, se ajeitou, então, na cadeira, tossiu duas vezes, penteou os cabelos com os próprios dedos, alinhou a sobrancelha, suspirou e, olhando para a tela em que ainda mostrava as imagens, perguntou se íamos levantar do chão para finalizar a fabulosa apresentação que estávamos realizando.

E todo mundo entendeu que havia sido firmado, naquela mesma hora, um acordo de cavalheiros. O senhor gordo, careca e bigodudo, presidente do mais importante de todos os meus clientes, tinha acabado de declarar, sem nada dizer, que o contrato era nosso, na condição de jamais abrirmos a boca sobre suas meias. E eu consegui o meu maior negócio. Ainda por cima usando a meia da minha mulher.
 

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